07 Feb Indisponibilidade emocional na relação – onde traçar a linha que separa as necessidades do outro, das nossas
Ter uma relação com alguém “emocionalmente indisponível” não significa necessariamente que a relação vai terminar. Mas é fundamental a sua identificação e reconhecimento. As relações precisam de investimento concordante. Todos os elementos devem estar sintonizados na mesma vontade e com compromisso semelhante.
Uma pessoa emocionalmente indisponível reserva (consciente ou inconscientemente) as suas emoções. Existem muitas razões que podem conduzir a uma reserva emocional, desde o resultado de uma experiência dolorosa no passado, necessidades físicas e/ou emocionais não satisfeitas durante a infância e crescimento, ou até mesmo crenças como “mostrar emoções é um sinal de fraqueza”, “é vergonhoso mostrar o que sinto”, “mostrar as minhas emoções deixa-me num sítio de grande vulnerabilidade”… A indisponibilidade emocional é, por isso, traduzida em comportamentos defensivos, reactivos ou evitantes, movidos sobretudo por medo. Tudo é mais seguro do que mostrar emoções, mesmo que racionalmente saibam que mostrar emoções é saudável individual e relacionalmente.
Em situações de conflito, alguém que está emocionalmente indisponível tende a minimizar a situação – “isto é irrelevante” – ou o outro – “estás a exagerar” – para encerrar uma conversa, em vez de permitir que se possa aprofundar emocionalmente a divergência. Por norma, “pessoas emocionalmente indisponíveis” não foram ensinadas/ estimuladas a expressar as suas emoções na infância; é uma habilidade não usada/treinada, pelo que há muito medo de lidar com emoções, por um lado porque lidar com o desconhecido assusta, por outro porque vivenciar novamente situações emocionalmente intensas é antecipado com muita angústia.
Por outro prisma, mesmo tendo tido uma educação consciente, o facto de termos vivenciado uma experiência de vida muito dolorosa pode ter força para nos tornar muito contraídos, por exemplo. Em situações como esta, cabe-nos a nós decidir se uma experiência negativa passada nos ditará a sentença de vida. Ser autoconsciente e aberto são sinais positivos de que uma pessoa emocionalmente muito protegida quer crescer. A amargura infiltra-se nas pessoas, por isso a consciência das nossas respostas às deceções pode ajudar-nos a lidar com as mesmas. O autoconhecimento é fundamental, quer tenhamos uma família funcional ou disfuncional, para construir relações saudáveis e maduras.
O medo de partilhar emoções surge muitas vezes associado ao medo do compromisso. O autorreconhecimento de indisponibilidade emocional é um ótimo primeiro passo; querer que o relacionamento progrida, é outro sinal promissor. Intimidade emocional não é um capricho das relações, é uma necessidade básica. Oiço muitas vezes em terapia discursos como estes: “o meu marido não identifica nenhuma dificuldade e diz até que o problema é meu”, “a minha namorada é sempre muito racional e pragmática na forma como fala da nossa relação”, “temos necessidades diferentes, eu preciso de me sentir num compromisso e aquilo que tenho é muito inconsistente e imprevisível”. Quando não existe uma consciência global da relação, das suas necessidades e fragilidades, ou quando estamos perante uma expressa recusa de um elemento da relação em trabalhar essa consciência pode ser uma indicação de que essa pessoa não está disposta, disponível ou não está sintonizada com as necessidades da relação.
O relacionamento não está a funcionar, mas existe amor e ambos querem estar juntos? A terapia de casal é um espaço construtivo e seguro de exploração conjunta, mas não invalida o trabalho individual de cada um. A terapia de casal serve também para colocar em evidência as necessidades de trabalho individual de cada elemento da relação. O processo individual também nos ajuda a descobrir se algum dos nossos padrões activa uma resposta traumática do outro. Pode ser uma pessoa muito saudável e emocionalmente disponível e, ainda assim, ter padrões que activam o seu parceiro. Exemplificando: um padrão de querer resolver conflitos imediatamente, enquanto o outro precisa de espaço, pode fazer lembrar ao seu parceiro (emocionalmente indisponível) experiências do passado onde se sentiu sufocado, sem liberdade de escolha ou alternativas respeitadoras.
Nada como fazer este check-in individual – estou confortável com minhas próprias emoções? Lido com elas de forma saudável? Estou confortável com as minhas necessidades face às necessidades do outro? Saiba quem é/ o que quer e não se desvie disso. Isso não significa que não se compromete. O compromisso é importante para um relacionamento, mas não se torne o que a pessoa emocionalmente indisponível quer que seja. Na prática, não anule as suas emoções para ficar dentro da zona de conforto da pessoa emocionalmente indisponível. Não devemos ter de mudar todos os aspetos de nós mesmo para agradar a outra pessoa ou evitar que ela se afaste ainda mais, e embora seja importante ter empatia com o passado e as lutas emocionais d@s noss@s parceir@s, não se ambiciona que seja psicoterapeuta na sua relação amorosa. Deve estar num relacionamento onde as emoções podem ser recíprocas, ou – no mínimo – estar com alguém que está a esforçar-se para chegar lá. Estabeleça limites de respeito para consigo e para com as suas necessidades e avalie o que faz sentido se esses forem ultrapassados, para impedir que se tornem tóxicos ou abusivos.
Sofrer de ghosting (acto de alguém desaparecer repentinamente sem qualquer explicação ou aviso e, posteriormente, ignorar as suas tentativas de contato), gaslighting (acto de distorcer, inventar ou omitir selectivamente informação, para favorecer aquele que o pratica e com a intenção de o fazer duvidar a si da sua própria memória e percepção), stonewalling (acto de bloquear um acordo construtivo, pela recusa em comunicar ou cooperar consigo), ou mesmo sentir-se sozinho com muita frequência no relacionamento… são sinais de abuso psicológico ou de relações tóxicas.
O comportamento adictivo também é algo a ter em atenção, pois pode andar de mãos dadas com a indisponibilidade emocional. O comportamento adictivo é muitas vezes um mecanismo de fuga do desconforto emocional – por exemplo, usar o álcool para anestesiar sentimentos desconfortáveis. Mas o problema é: não podemos adormecer seletivamente as emoções. Se não estamos dispostos a sentir dor, tristeza ou raiva, então a felicidade, a alegria e o entusiasmo também deixam de estar presentes. É fundamental para os relacionamentos que esse comportamento dominante “de fuga” possa tornar-se pelo menos consciente.
Criar consciência da indisponibilidade emocional de quem amamos é, no mínimo, muito doloroso e inquietante. Umas vezes, torna-se mesmo intolerável e sem sentido; outras vezes, transforma-se numa decisão racional de aceitar o imutável e encontrar uma forma de sobrevivência possível na relação (canalizar a atenção para outras dimensões da vida, procurar outras pessoas, manter a amizade da relação ou a intimidade física, em alguns casos). Mas, para quem procura uma conexão emocional mais profunda, parceir@s emocionalmente indisponíveis não serão provavelmente a escolha mais fácil.
Quando existe vontade de ambos os lados para fazer a relação funcionar, então há esperança. Mas também é importante reconhecer os limites e as limitações das pessoas e considerar o nosso próprio bem estar e sentido de felicidade.
Vera Lisa Barroso, Psicoterapeuta na Pessoalmente ®
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