Pessoalmente | A sabedoria dos nossos corpos
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A sabedoria dos nossos corpos

Como o trauma afeta o corpo e a mente

Todos nós conhecemos histórias de veteranos de guerra traumatizados que experimentaram crueldade e dor, que mataram outras pessoas durante o combate ou que testemunharam a morte de um colega soldado. Muitas vezes, os soldados traumatizados não conseguem encontrar o “caminho de volta” à vida. Lutam com as suas memórias, desenvolvem reações hipersensíveis e tornam-se estranhos para si mesmos e para com os seus entes queridos.

O que acontece no corpo e na mente de pessoas que sofreram traumas? E por que é tão difícil encontrar alívio depois?

O trauma é incrivelmente comum na nossa sociedade

O trauma não é apenas algo vivido pelos veteranos de guerra – é muito mais prevalente na nossa sociedade do que imaginamos. A verdade é que o trauma pode acontecer com qualquer pessoa.

Os traumas resultam de uma experiência de stress ou dor extrema que deixam um indivíduo a sentir-se impotente, ou muito sobrecarregado, para lidar com a adversidade. As experiências que envolvem a guerra normalmente resultam em traumas, mas os crimes violentos e os acidentes também os causam.

A violação e o abuso de crianças são acontecimentos terríveis e, infelizmente, também são mais comuns do que se possa pensar. No já antigo, mas fabuloso, livro de Bessel Van der Kolk “The body keeps the score” lemos a informação de relatórios que revelaram 12 milhões de mulheres vítimas de abuso nos Estados Unidos apenas em 2014 e que mais de 50% dessas mulheres tinham menos de 15 anos no momento da agressão. Todos os anos, nos Estados Unidos, há 3 milhões de casos de abuso infantil.

Estas experiências traumáticas podem mudar a vida das pessoas afetadas, bem como a vida dos seus amigos e familiares. Pessoas traumatizadas geralmente sofrem de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD), que pode levar à depressão,  abuso de substâncias, entre outros quadros psicologicamente difíceis.

Além disso, pessoas traumatizadas tendem a desconfiar de quem não passou pelo mesmo sofrimento e assumem que ninguém as pode verdadeiramente entender. Isso foi ilustrado num dos grupos de terapia que o autor criou para veteranos do Vietname.

Enquanto o grupo ajudava os veteranos a encontrar amigos e partilhar as suas experiências, aqueles que não estavam traumatizados pela guerra eram considerados estranhos pelo grupo – o autor inclusivé. Foram necessárias semanas de escuta, empatia e construção de confiança com os veteranos para que eles o aceitassem.

Estabelecer um relacionamento com alguém que sofre de PTSD é um desafio por si só, então imagine tentar manter um casamento, uma amizade próxima ou uma relação estável entre pais e filhos. Pessoas traumatizadas acham difícil confiar até mesmo naqueles que mais as amam, incluindo parceiros e filhos. Isso pode ser muito difícil para amigos e familiares, muitas vezes levando ao afastamento ou divórcio.

Os flashbacks fazem com que as pessoas revivam a experiência mental e física do trauma

Já se lembrou alguma vez de algo constrangedor que fez e, de repente, sentir-se a contorcer ou corar? Então teve uma pequena visão de como as memórias de trauma podem afetar o corpo.

Quando um portador de PTSD é lembrado do seu trauma, o seu corpo e cérebro entram num modo de alto nível de stress, uma vez que experimentam a memória como se fosse real. Isso é chamado de flashback, um impacto de trauma que o autor estudou numa experiência que realizou com os seus pacientes e que descreveremos em seguida.

No início da década de 90, novas técnicas de imagiologia cerebral permitiram uma compreensão sofisticada sobre a forma como o cérebro processa a informação. Entre avanços da física e da tecnologia informática, a neurociência tornou-se numa área de investigação aliciante e, muito, interessante.  A tomografia por emissão de positrões (PET) e, mais tarde, a ressonância magnética funcional (fMRI) permitiram aos cientistas visualizar como diferentes partes do cérebro são ativadas quando as pessoas estão envolvidas em determinadas tarefas e, como no caso descrito neste livro, quando relembram eventos do passado. Isto permitiu observar o cérebro no processamento de memórias, sensações e emoções e começar a mapear os circuitos da mente e da consciência.

A Harvard Medical School esteve na vanguarda da revolução da neurociência e convidou o autor a estudar o que acontece no cérebro de pessoas que têm fashbacks. Foi construído um guião que recriou traumas de pessoas que se voluntariaram para este estudo. Deliberadamente, foram recolhidos apenas fragmentos isolados das suas experiências – imagens, sons e sentimentos específicos – ao invés da história integral, porque é assim que o trauma é vivido. Como alternativa de regulação e referência de comparação, os participantes também descreveram um momento, ou situação, em que se sentissem seguros e em controlo.

À medida que qualquer parte do cérebro se tornasse mais ou menos metabolicamente ativo, a taxa de consumo de oxigénio mudaria, o que seria captado pelo scanner. Monitorizaram a pressão arterial e a frequência cardíaca durante o procedimento, para que estes marcadores psicológicos pudessem ser comparados com a atividade cerebral.

Percebeu-se, facilmente que, quando pessoas traumatizadas são confrontadas com imagens, sons ou pensamentos relacionados com a sua experiência, a amígdala reage com alarme – mesmo, como no caso de Marsha, treze anos após o acidente. A ativação desse medo provoca uma resposta de stress e impulsos nervosos que aumentam a pressão arterial, a frequência cardíaca e a ingestão de oxigénio – preparando o corpo para lutar ou fugir.

Enquanto Marsha ouvia a gravação, a sua pressão arterial e frequência cardíaca subiram drasticamente. A atividade na metade esquerda do seu cérebro, o lado responsável pelo pensamento racional, desacelerou e efetivamente “desativou”. Uma desativação como esta torna difícil para os portadores de PTSD perceberem que as coisas que ouvem, veem e sentem durante um flashback não são reais.

No cérebro de Marsha, a área de Broca, a área responsável pela fala, mostrou uma diminuição significativa na atividade, deixando-a incapaz de falar. Os seus níveis de hormona do stress dispararam e permaneceram altos. Para os mentalmente saudáveis, as hormonas do stress aumentam e depois diminuem assim que uma ameaça passa. Mas para aqueles com trauma no passado, essas hormonas levam muito mais tempo para voltar aos níveis normais. Isso mostra que ser lembrado do trauma pode ser quase tão horrível quanto vivenciar a própria situação traumática.

O trauma na infância tem impactos negativos, não apenas na juventude de uma pessoa, mas também na idade adulta

Experiências traumáticas são difíceis o suficiente para lidar como um adulto, mas não há nada mais difícil do que enfrentar o trauma como uma criança pequena. Com cérebros que nem sequer estão totalmente desenvolvidos, as crianças que sofrem um trauma correm maior risco de sofrer uma ampla gama de consequências negativas. Estas consequências surgem nos anos imediatamente seguintes às suas experiências e mais tarde na idade adulta.

Crianças traumatizadas muitas vezes esperam que coisas más aconteçam. O autor demonstrou isso numa experiência com cartões com fotos de revistas mostradas a crianças que sofreram traumas e a outras que não sofreram.

Um dos cartões mostrava duas crianças a observar o pai a arranjar um carro enquanto ele estava deitado por baixo dele. Enquanto crianças sem trauma imaginavam uma história baseada na imagem em que o pai consertava com sucesso o carro e levava os filhos ao McDonald’s, as crianças traumatizadas imaginavam cenários muito mais sombrios.

Uma menina disse que uma das crianças nas imagens partiria a cabeça do pai com o martelo que ele segurava. Outra criança disse que o carro iria cair, esmagando o corpo do pai. Para essas crianças, as imagens continham uma série de gatilhos que as levaram a imaginar a cena a terminar violentamente. Estes padrões de pensamento persistem frequentemente até à idade adulta.

Veja-se o caso de Marilyn, uma das pacientes do autor e ex-enfermeira. Ela disse ao autor que teve uma infância feliz, mas isso não era verdade. Marilyn foi abusada sexualmente quando criança, uma experiência traumática que moldou sua vida como adulta.

Ela era propensa a atacar quando os homens a tocavam, mesmo durante o sono. Ela também desenvolveu uma doença autoimune que prejudicou a sua visão, que provavelmente surgiu como resultado do stress que o seu trauma causou no seu corpo. O caso de Marilyn pode parecer extremo, mas ela não está sozinha. Muitos outros que foram traumatizados quando crianças continuam a sofrer nas suas vidas adultas.

Enquanto as memórias normais desaparecem e mudam, as memórias traumáticas são vívidas, imutáveis e facilmente desencadeadas

Quando contamos histórias, tendemos a embelezar, exagerar ou omitir partes das nossas experiências. À quinta vez que conta uma história a alguém, é provável que ela seja diferente da primeira versão. Até nos lembramos das coisas de forma diferente ao longo do tempo. Porquê?

Em geral, não tendemos a memorizar os detalhes sensoriais dos eventos. A maioria de nós lembra-se do que fez ou como se sentiu de uma forma geral, mas não armazena memórias vívidas sobre o cheiro do quarto em que estava ou dos detalhes exatos do rosto de alguém. Mas é uma história diferente quando se tratam de memórias traumáticas – lembramo-nos vividamente dessas situações e as memórias não mudam com o tempo.

O autor demonstrou a diferença entre estas duas formas de lembrar, pedindo aos participantes que recordassem eventos importantes, mas não traumáticos, nas suas vidas, como o nascimento do seu filho ou o dia do casamento. Nesses casos, os participantes podiam recordar os seus sentimentos gerais, como felicidade ou nervosismo, mas não tinham uma imagem detalhada de como o cabelo do seu parceiro estava no casamento, por exemplo.

No entanto, quando os participantes foram solicitados a recordar memórias traumáticas, olfato, paladar, tacto e audição desempenharam um papel muito mais importante. Uma participante que foi abusada disse que um cheiro específico de álcool a lembrou instantaneamente o seu trauma, tanto que ela deixou de conseguir ir a festas.

Também recordamos memórias traumáticas de forma consistente, sem alterações ou revisão. Num estudo realizado na Harvard Medical School, 200 homens foram testados regularmente desde a sua primeira participação na experiência, o que fizeram entre 1939 e 1945, até 1995 (50 anos de um estudo psicológico sobre as sequelas da II Guerra Mundial). O tema destes testes eram as suas memórias e como o trauma, ou a ausência dele, as moldou.

Muitos participantes eram veteranos da Segunda Guerra Mundial e subsequentes portadores de PTSD. Embora as memórias dos participantes que não ficaram traumatizados com a guerra tenham mudado ao longo do tempo, as memórias dos veteranos não mudaram em nada. Eles permaneceram consistentes por mais de 45 anos após o fim da guerra.

O trauma permanece connosco, tanto no nosso corpo quanto no nosso cérebro. Então, como as pessoas aprendem a conviver com ele? Hoje em dia temos algumas abordagens psicoterapêuticas que se especializaram no trabalho com trauma. O autor especifica algumas das mais importantes e, ainda hoje, uma referência no trabalho com trauma.

O EMDR permite que os pacientes integrem as suas memórias e restaura um sentido de agência sobre a mente e corpo

Pode parecer simples, mas uma das técnicas mais eficazes que o autor usa envolve apenas um dedo mover-se para a frente e para trás através do campo de visão de um paciente. Enquanto este segue o dedo com os olhos, é guiado através de uma memória traumática e encorajado a fazer novas associações ao longo do caminho.

Esta técnica é conhecida como EMDR, ou dessensibilização e reprocessamento a partir do movimento ocular. Embora o EMDR possa parecer simples o suficiente, o que é claro, a verdade é que ajuda consideravelmente na integração de memórias traumáticas.

Isso é fundamental, porque se as memórias não estiverem integradas, elas ainda podem desenrolar-se diante dos olhos de alguém com PTSD como se estivessem a acontecer em tempo real. Uma vez que uma memória é integrada, ela pode finalmente tornar-se um evento passado na vida da pessoa e deixar de ter uma vida própria preocupante.

O EMDR, tal como acontece com outras abordagens, altera a relação com eventos traumáticos, permitindo integrá-lo nas suas memórias. Através da terapia, o paciente pode desenvolver uma relação nova e mais saudável com uma memória traumática, juntamente com uma sensação de controlo sobre a sua mente, corpo e vida.

Foram alcançados resultados surpreendentes através do EMDR. Há muitos anos, Kathy abordou o autor aos 21 anos, depois de ter acabado de tentar suicídio pela terceira vez. Kathy tinha sido forçada a prostituir-se pelo pai, durante o qual tinha sido violada em grupo pelo pai e pelos seus amigos e, ainda abusada sexualmente com garrafas de cerveja.

Com a ajuda do EMDR, Kathy foi capaz de observar as suas memórias traumáticas e “reembalá-las” de uma forma que lhe deu agência sobre elas. A chave para este processo foi que as sessões permitiram-lhe trazer à tona novas associações.

Por exemplo, durante uma sessão, ela imaginou uma escavadora a esmagar a sua casa de infância, destruindo a cena de tantas memórias traumáticas. Numa outra, imaginou trancar o pai fora de um café, fazendo-o sentir-se impotente e humilhado perante todos em seu redor a rirem-se.

Após oito sessões de processo como este, Kathy fez uma recuperação notável. E 15 anos depois, quando o autor se reconectou com Kathy, ele ficou feliz por ver uma mulher saudável e feliz que estava a pensar em adoptar um terceiro filho.

O Yoga oferece aos que sofrem de trauma uma maneira segura de explorar a relação entre o corpo e a mente

O nosso corpo e mente partilham uma relação próxima. Para vivermos uma vida equilibrada e estável, precisamos entender como as nossas emoções funcionam e como elas impactam nos nossos corpos. Infelizmente, o trauma pode tornar isso muito difícil.

O trauma muitas vezes deixa as pessoas com um sistema de alarme hipersensível nos seus corpos. Aqueles que sofreram abuso sexual quando crianças, por exemplo, descobrem que experimentam pânico incapacitante em situações inofensivas, como abraçar o parceiro.

Para evitar isso, pessoas traumatizadas muitas vezes “tentam adormecer” os seus próprios sentimentos bebendo demais, consumindo substâncias e até mesmo sobrecarregando-se com trabalho. Estes potentes distractores fornecem uma solução temporária, mas tendem a fazer mais mal do que bem à saúde mental. Felizmente, há uma maneira saudável de lidar com emoções avassaladoras após o trauma: yoga.

Para quem sofre traumas, o yoga oferece uma maneira segura de entrar em contato com as suas emoções e entender como o corpo as vivencia. Annie, uma das pacientes do autor, decidiu experimentá-lo. Como vítima de abuso e sofredora de PTSD, as primeiras aulas de yoga foram incrivelmente difíceis para ela. Até mesmo uma palmadinha suave nas costas poderia acionar o sistema de alarme do seu cérebro.

Apesar disso, Annie continuou com o Yoga, recusando-se a desistir. Em pouco tempo, ela notou que o seu corpo estava constantemente a enviar sinais sobre o seu estado emocional. Em particular, Annie lutou com a posição de Yoga do “bebé feliz”, que exige que se deite de costas com os joelhos dobrados e os pés no ar.

Embora Annie sentisse dor, vulnerabilidade e tristeza incríveis em posições como estas, ela não afastou estes sentimentos, optando por explorá-los e aceitá-los. O Yoga ajudou Annie a lidar com sensações negativas como estas e ajudou-a a perceber que ela poderia relacionar-se com elas, em vez de as reprimir.

A Atenção Plena e as relações de apoio são essenciais para a recuperação do trauma

Mindfulness é um conceito bastante moderno no momento, mas não é apenas uma moda passageira – é uma escolha de estilo de vida incrivelmente eficaz. Também constitui uma ferramenta poderosa para a recuperação de traumas, mas como funciona?

Mindfulness é manter a consciência do seu corpo e das suas emoções, em vez de negá-las. Isso é especialmente difícil após um trauma, pois as memórias dolorosas fazem-nos reprimir as nossas emoções em vez de as abordar.

Nenhum de nós gosta de se sentir triste, irritado ou “estragado”, especialmente quando estes sentimentos são desencadeados por memórias traumáticas. Mas, ao afastar esses sentimentos, também perdemos a oportunidade de processar o nosso trauma e iniciar um processo de cura.

O Mindfulness pode aliviar os impactos psicológicos e fisiológicos do trauma, desde a depressão ao stress, passando por condições psicossomáticas como a dor crónica. Também pode melhorar a resposta imunitária, ativar regiões do cérebro que ajudam a regular as emoções e equilibrar os níveis de hormonas do stress.

Além da atenção plena, as relações pessoais de apoio são indispensáveis no caminho para a recuperação do trauma. Ao construir uma rede de familiares, amigos e profissionais de saúde mental, os pacientes podem garantir que têm sempre a quem recorrer quando precisam de ajuda.

Sistemas Familiares Internos: o nosso sistema emocional é um puzzle de várias peças

Quando olhamos para cada pessoa como um sistema complexo de múltiplas características e potencialidades podemos ajudá-las a explorar os seus sistemas internos e ajudar cada uma das partes que possam estar em sofrimento. Foi através deste modelo que o autor conseguiu trabalhar várias partes dissociadas dos sistemas dos seus pacientes com trauma. Na essência desta abordagem temos uma mente e um corpo que funciona como um todo e onde internamente cada um de nós tem uma espécie de família onde cada membro tem diferentes níveis de maturidade, sabedoria e dor. Desta forma, tal como numa família, quando um elemento muda, todo o sistema sofre alterações face a esta mudança. IFS ajudou também o autor a perceber que a dissociação acontece num continuum. Quando um trauma acontece na vida de uma pessoa, o seu sistema reorganiza-se em polarizações, onde partes entram em conflito umas com as outras: pensamentos aversivos de si com pensamentos de grandiosidade de si, partes que amam com partes que odeiam, partes passivas e que se desconectam com partes activas cheias de raiva e agressividade. Podemos ter um pouco, ou muito, de ambas, simultaneamente. A verdade é que todas elas encontram-se a desempenhar uma função valiosa de protecção de outras carregadas de dor e sofrimento. Por exemplo, quando temos partes divertidas e ingénuas e sofremos algum abuso são essas mesmas que muitas vezes ficam congeladas e carregam a dor, o medo,  a vergonha, a culpa e traição desse mesmo abuso. Por conseguinte, outras partes do sistema reorganizam-se (outras surgem pela primeira vez), de forma a garantirem que esta dor não venha à superfície e algo do género não volte a repetir-se.

Na terapia IFS cultiva-se, por isso, a retoma de liderança de um Eu que permanece intacto nos nossos sistemas e que pode assim restaurar os estragos deixados por um trauma. Muito mais do que promover uma relação terapêutica entre paciente e terapeuta, IFS pretende fomentar esta relação interna entre um Eu saudável e as diferentes partes protectoras e protegidas. Por outras palavras, permitir que cada pessoa se torne o maestro da sua orquestra interna.

O Neurofeedback ajuda as pessoas que sofrem de traumas a religar os seus cérebros.

Sabia que os sinais elétricos são responsáveis por praticamente tudo o que se passa no seu cérebro? Estas ondas cerebrais regem os nossos processos de pensamento, por isso são muito importantes. Infelizmente, eles também podem ser danificados por traumas. Vamos descobrir como.

Existem muitos tipos diferentes de ondas cerebrais, sendo uma delas as ondas alfa, que são desencadeadas quando nos sentimos calmos e relaxados. Um estudo recente da Universidade de Adelaide, na Austrália, examinou soldados que serviram no Iraque e Afeganistão e revelou que, quanto mais tempo passavam na zona de guerra, menos ondas alfa os seus cérebros produziam. Em vez disso, os soldados produziam ondas cerebrais semelhantes às das crianças diagnosticadas com PHDA, prejudicando a sua capacidade de relaxar, manter a calma e o foco.

Felizmente, o cérebro tem potencial para se recuperar. Como? Através de um processo chamado neurofeedback.

O neurofeedback permite que pessoas traumatizadas alterem as ondas cerebrais que produzem e incentivam a produção de ondas alfa para ajudá-las a relaxar e manter a calma. Ao exibir-lhes as suas próprias ondas cerebrais, em tempo real, num ecrã, os pacientes podem ver quando precisam fazer um esforço consciente para relaxar. Assim que o fizerem, verão as suas ondas alfa a serem produzidas e até serão recompensados através de uma interface que pode parecer um jogo.

Veja-se o caso de Lisa, uma mulher de 27 anos e uma das pacientes do autor. O pai de Lisa abandonou a família quando ela tinha três anos e a sua mãe era abusiva e agressiva. Lisa fugiu de casa duas vezes e passou por várias casas de acolhimento, hospitais psiquiátricos e até algum tempo a viver na rua.

Anos de trauma deixaram Lisa com fortes impulsos autodestrutivos. Ela automutilava-se e destruía as coisas à sua volta, com baixa capacidade de regular as suas emoções. Mas quando ela começou o tratamento de neurofeedback, as coisas mudaram drasticamente. Com a sua recém-descoberta capacidade de produzir ondas alfa e conscientemente conseguir relaxar, Lisa foi capaz de falar e lidar com os eventos traumáticos da sua infância.

Embora o neurofeedback se tenha mostrado extremamente eficaz, ainda é raramente aplicado. De um modo geral, a nossa sociedade tem um longo caminho a percorrer quando se trata de compreender e lidar com traumas. Mas com uma aceitação mais ampla da atenção plena e um melhor conhecimento sobre perturbações mentais nos últimos anos, há boas razões para estarmos otimistas sobre o futuro do tratamento na Saúde Mental.

Vera Lisa Barroso, Psicoterapeuta na Pessoalmente ®

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