Pessoalmente | Sintomas, de inimigos a aliados
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Sintomas, de inimigos a aliados

Quando pensamos num processo psicoterapêutico, pensamos muitas vezes numa forma eficaz de controlar, moderar ou eliminar sintomas que, simplesmente, menosprezamos. Eventualmente localizar a origem e depois… livrar-nos deles rapidamente, para que rapidamente se extingam “as dores”. Mas será mesmo assim? E se, ao invés de expulsar (muitas vezes esconder) os sintomas, os convidássemos para nossos aliados no processo psicoterapêutico?

Charles Darwin mostrou-nos que as emoções são respostas fisiológicas direccionadas por objetivos, que mobilizam o corpo e a ação; a sua função não é fazer-nos sentir mal, a sua função é estimular-nos a fazer algo útil para a nossa sobrevivência. Por exemplo, o medo acelera o nosso sistema cardiovascular para energizar músculos e para que possamos correr o mais rapidamente possível de uma ameaça percebida. Quando olhamos para o medo como um bicho papão que não queremos sentir, estamos a limitar uma forma natural de ganhar bónus de força.

Estamos muito habituados a olhar para os sintomas como patologia, ou comportamentos errados, estragados, desadequados, insuficientes, exagerados, incomodativos… mas entender a função de um sintoma faz toda a diferença. 

O caso de uma jovem, com intensa história de trauma, capaz de transformar pânico em força pessoal é um bom exemplo do que estamos a falar. Maria (vamos chamar-lhe assim) depois de ter sido drogada, violada, torturada e feita refém durante dois dias em casa do agressor, acabou por abandonar a escola e afastar-se da sua atividade desportiva, na qual tinha uma excelente performance. O agressor foi preso, mas as imagens da violência pela qual passara continuaram na sua cabeça. É nesta sequência que procura apoio psicológico. Ainda estava na sala de espera para a sua primeira consulta, quando começou a ter um ataque de pânico. Perante a enorme agitação e incapacidade de permanecer sentada, o terapeuta propôs-lhe uma caminhada na rua.  

O corpo da Maria estava a produzir adrenalina extra para que ela pudesse superar um desafio (resposta de luta ou fuga); precisava de se mexer de alguma forma. Durante a caminhada, o terapeuta ia perguntando à Maria como sentia o seu corpo? A Maria teve a oportunidade de ir acompanhando e percebendo as mudanças nas suas reações físicas; passado algum tempo, quando começou a correr, o ritmo cardíaco já não lhe pareceu assustador, mas sim adequado à corrida que estava a fazer. A sessão foi passada a andar e a conversar. A Maria tinha muitas competências físicas, força e energia desportiva, pelo que se tornava visível a sua postura corporal a elevar-se, a sua voz ficar mais viva e as passadas mais longas e confiantes sempre que falava dos seus campeonatos, daquilo em que se sentia competente.  

T          – Já alguma vez sentiu nervosismo antes de um jogo?

Maria   – Todas as vezes!

T          – E esse nervosismo é positivo?

Maria  – Sim! O que chamamos de ser “bombeado”, disse Maria a sorrir. Ponho uma música de hip-hop enquanto aqueço e canalizo aquela energia nervosa e adrenalina a meu favor.

T – O mesmo acontece com os ataques de pânico. Energia extra para que possa superar um desafio. 

Maria começou a correr pelo menos 20 minutos por dia, o que por um lado abrandava a intensidade da sua ansiedade, pelo outro devolvia-lhe o corpo desportivo que lhe era familiar. 

Maria – Eu sei que preciso falar sobre o que aconteceu, mas não me lembro de muitas coisas, porque não estive sempre consciente.

T – Ter sobrevivido a uma situação tão difícil como esta é já tão significativo.

Maria conseguiu ir recuperando peças do puzzle e contando a sua história. Teve a oportunidade de introduzir uma narrativa, onde só existia expressão corporal. Honrar a sua coragem, força e destreza para se defender. Conseguiu aos poucos reprocessar o que se lembrava. Por mais arrepiante que a história fosse, estavam sempre presentes a coragem e a confiança que a caracterizava. Nas sessões continuaram a incorporar caminhadas, corridas e outras atividades físicas fortalecedoras, que a mantinham conectada com poderosos recursos internos como a força e tranquilidade. Maria viu-se pela primeira vez como uma pessoa forte e não como uma vítima indefesa. Retomar a atividade física permitiu-lhe ver que não estava estragada e que poderia melhorar. Começou a confiar no seu corpo e em si novamente.

Pode parecer paradoxal olhar para os sintomas como sinais aliados ao processo terapêutico, mas para ver o puzzle na totalidade todas as peças são necessárias, têm um propósito e cumprem uma função.

 

Vera Lisa Barroso, Pessoalmente ® 

 

Esperemos que tenha gostado e que o tema possa servir curiosas reflexões, bem como explorações internas/ externas!

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